domingo, 31 de maio de 2009

Ethos

Universal é a palavra que pode identificar o conceito de casa. Mas o quão universal são os que fazem a moradia?

O que existe dentro de nossas casas, e o que vemos como conceito formado, muitas vezes reinam como perpétuos e sem grandes mudanças ao longo da história. No imaginário dos indivíduos, no que diz respeito as habitações, não é diferente. Seja em relação ao conforto ou mesmo aos hábitos em geral, teimamos em acreditar que os elementos que hoje nos rodeiam, possam não ter existido num contexto de outras épocas e lugares. Um exemplo claro e preciso dessa falta de relativização aconteceu numa exposição, realizada no Museu do Índio, onde foi construída uma oca. O público não hesitou em falar a respeito da rusticidade ou da falta de conforto.

Quando pensamos em conforto e abrigo, a imagem da casa vem em nossa mente. E, logo, percebemos a presença (forte) dos arquétipos que constroem nossa mente. Mas é necessário, urgentemente, um olhar mais apurado para tudo que está ao nosso lado, afinal, infelizmente, é o que menos enxergamos.

Mungnie, nome atribuído ao local de cerimônias da tribo de índios Ikpeng. Tem formato semelhante a uma oca tradicional, mas o simples fato da possuir um espaço interno iluminado já muda o seu caráter. Traçando um paralelo com a comparação que Lúcia Leitão faz em seu livro, “A Casa Nossa de Cada Dia”, podemos perceber claramente a importância que a luz tem na distinção da função atribuída a cada espaço. A autora se refere a casa com útero. Logo, um lugar escuro, que tenha proteção lateral é, compreensivelmente, mais adequado a habitação.

São inúmeros os exemplos do quão forte é a relação de proteção e útero materno. No livro, “Memórias de uma Esquizofrênica”, de M.A Sechehaye, a protagonista/paciente, entra em estágio fetal sempre que não consegue lidar mais com o “país da clareza” (nome atribuído pela própria quando está em crise).

“—Mamãe quer que a Renèezinha não tenha mais dor. Mamãe quer que Renèe entre no “charco”, no “verde” de mamãe.

Depois lhe dei a injeção. Enquanto se operava o efeito do medicamento cerrei a cortina e o quarto mergulhou num verde penumbra. Observei a Renèe:

—Estás vendo, Mamãe pôs Renèe no verde, ela pode ficar tranqüila.

Um ligeiro sorriso- o primeiro em muito tempo- passou nos lábios da pequena doente, que adormeceu, distendida e pacificada.

Na vez seguinte em que Renèe chorou dizendo:

— O verde, o verde foi-se embora.

E de novo, pelo mesmo meio, eu a repus no “verde”.

Autorizei-a assim a ficar completamente passiva, a desfrutar a perfeita quietude do bebê ainda não nascido.”

Com um significado que ultrapassa e forma barreiras, afinal, constrói arquétipos, a moradia se mostra presente como refúgio, como algo pessoal, como um lugar presente na mente- no sentido individual da palavra; mas que, porem, é realizada por muitos. O coletivo é presente e não pode ser descartado. Pensando nisso, a escolha da oca como instrumento de interação com o público, traz a tônica do estudo realizado e, mais, da síntese do tema centralizador: “A Arquitetura da Felicidade”. Afinal, é construída por muitos e para muitos. Quase como um embrião de cidade.

É individual o conceito de cada um, porem é coletiva sua construção.

“E foram os tijolos brutos postos sem espalhafato pelas mãos duras feito pedra que , um a um, sempre entre concreto e silêncio, caracterizam um acaso quase desleixo, cinza feito o desespero, a erigi-la, fria e imponente frente à calçada: uma casa.”*

* Trecho do livro “Beijando Dentes”, de Mauricio de Almeida.



E, assim, espero começar pensar a pensar no próximo período.