quarta-feira, 24 de junho de 2009

Releitura

Dobrou a esquina como faz quase todos os dias da semana. Pelo menos de segunda a sexta. Pelo menos quando não desvia o caminho por algum fio que teima em sai da ordem, assimetricamente arrumada, de seu cabelo. Os pingos da chuva não ajudam. Leva a mão no rosto para enxugar e não parecer suor. Mas é mês de chuva. Ninguém vai reparar. Mas é seu primeiro dia. Todos vão olhar.

Na rua não tem asfalto. A calçada avança com as pedras portuguesas que teimam em sair do lugar. Qualquer dia desses pode fazer um cego cair. Não como as gotas que insistem em molhar seu cabelo cacheado; mas sim, como as folhas que caem, com o vento, sem ressentimento de deixar os galhos solitários. Mas virão outras folhas; virão outros cegos.

Não enxerga o que pode acontecer. Enxerga a porta que se aproxima e teima em parecer mais perto. Ao contrário dos outros que pedem para chegar logo ao seu destino. Ao contrário dos que pegam o metrô para não enfrentar o engarrafamento. Ele para. Olha. Por um instante, pensa nos 7 ou 8 passos, que precisa para abrir a porta e entrar. Por um instante. Agora ele dobra a outra esquina.

Um quarteirão a mais para conhecer. Ele olha para trás. A porta era bonita. Não era de correr como a da varanda do seu apartamento. Era de vidro. Vidro escuro. Alguma película para proteger do sol. Por que será que colocam uma porta de vidro quando sabem que o sol bate. E desbota os móveis. E aquece a sala com ar condicionado. E não deixa ninguém parado na porta. É isso! Não querem que ninguém fique parado olhando. Querem que entre. É uma boa estratégia.

Mas o rapaz não está parado. Continua a andar. A rua parece estreita. Por vezes, intimida quem passa. No final, um edifício faz barreira. Ele está na outra rua, mas parece que está fechando a que o rapaz percorre. Uma rua sem saída. O rapaz franzi a testa até entender. As árvores começam a aparecer e uma espécie de túnel não deixa chuva molhar mais seu rosto.

Perco-o de vista. Como sempre acontece com os que andam pela rua estreita, eu tento imaginar. Deve ser agradável. As copas das árvores protegem. Nessa rua, não existem muros. Ele poderia pegar um atalho. Poderia. Mas ele veste uma calça livre de amassados. Ele carrega uma pasta de couro. Ele não vai correr o risco de sujar as roupas. Ele não pegou o atalho. Pelo menos não pelo tempo que espero para vê-lo na outra rua.

Ele pode ter encontrado algum amigo. Ou amiga. Ou namorada. Talvez ele não tenha uma. Talvez ele só esteja amarrando o sapato. Não! O modelo de couro que ele calçava não tinha cadarço. E se um carro subiu a calçada e ele não percebeu a tempo de correr? Não. A rua é estreita. Os carros passam devagar. Ele pode ter entrado num táxi. Mas isso amassaria sua roupa.

Ele surge na outra rua. Agora, mais longe, não consigo diferenciar o esgar que reina no seu rosto. Ele deve pensar em alguma piada. Ele pode se imaginar numa entrevista. Eu, quando ando pelas ruas, me imagino dando entrevista sobre como me tornei alguém tão prestigiado pelo meu trabalho. Eu as vezes falo só. Em voz alta. As pessoas me olham. O esgar aparece. As pessoas olham para os lados, constrangidas. Mas ele não cruza com ninguém. Ele pode parecer sério. Ele pode falar em voz alta. Ele pode desistir e ir para casa.

Agora perco de vista. Só sua sombra é possível identificar. Essa rua é movimentada. É larga. Ele não dará entrevistas. Nem vai mostrar o sorriso no canto dos lábios. A sua sombra, se aproxima de outras. Vou perder. Não acredito vou ter que esperar até virar a esquina novamente.

Talvez a seja a sombra mais alta. Não, ele não é tão alto. Talvez seja a que toca nos carros da segunda faixa. Não, ele não balança tanto a cabeça.

Nem a primeira nem a segunda. Seus donos dobraram a esquina. Um senhor gordo de chinelo. Uma senhora magra, mas com quadris largos. Ele talvez tenha desistido. Nessa rua. No começo. Tem uma parada de ônibus. Ele voltou pra casa. É isso. Não teve coragem de entrar no prédio. Não teve coragem de dizer por que queria o emprego. Mas por quais razões ofereceria uma vaga pra quem resolve dar uma volta no quarteirão?

Minha mesa é afastada da janela. Tento lembrar a razão. Ah, sim, a claridade. Tive que escolher a sala no poente. Era mais barato. E podia olhar a rua e quem se aproximava. Agora sento e tento lembrar se fiz algo de errado. Sim, lógico, o que seria errado? Abrir o vidro? Acena e pedir para que não dobre a esquina e termine logo com o que começou?

Ele desistiu por minha causa. Ele, realmente, não pretende trabalhar comigo. Talvez tenha percebido minhas intenções. Talvez alguém tenha contado. Eu podia jurar que um daqueles seus momices eram a tradução de sua confiança. Eu podia jurar que nós compartilhávamos algo.

Alguém bate na porta. A secretária. Quem mais pode ser?

“Senhor, o jovem chegou.”

Ele não pegou o ônibus. Ele não voltou pra casa. Ele pode ter pensado que esqueceu de alguma coisa. Sim, ele pode ter pensado isso. Não, ele não esqueceu. Apenas pensou que esqueceu. Percebeu que o que queria. Tudo o que queria, estava aqui. É isso.

“Posso mandar entrar?”

Não. Não pode. Eu preciso de tempo. Sim, ele dobrou a esquina. Eu também preciso de esquinas. Mas não tenho esquinas na sala. Tenho janelas.

“Vou chamá-lo.”

Não dei ouvido. Eu precisava de um tempo. O relógio do prédio vizinho estava na minha frente. Eu não gostava de ver as horas. Mas eu precisava de tempo. Precisava de tempo para entender o que se passava em minha cabeça. O que poderia passar quando o rapaz dissesse algo que eu não queria ouvir. Mas era eu que estava entrevistando. Era eu que devia dizer o que ele ia fazer. O que ele ia fazer no trabalho. Mas o que ele ia fazer no trabalho não me interessava. Eu precisava saber o que iria dizer.

Coloco a cabeça para fora da janela. O ar quente entra. É agradável quando se está a horas no ar condicionado. Condiciona a me fazer chorar. Porque meus olhos ressecam. Porque preciso de tempo. Então eu mordo. Mordo meus braços. É o tempo que preciso para entender. É o mesmo que me consome.

Como. Como minha pele e não sei. Continuo sem imaginar o que falar. Então eu como. Ponho para dentro pedaços de mim mesmo. Não sei o que falar. É espelho. Releituras que me obrigam a parar. Eu caio. Ele entra.

Fala com os olhos. Não com o sorriso no canto dos lábios. A secretária acrescenta.

“Ele não falou para esperar.”

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Bobinho.

E um segundo fora do chão antecede o que não sei. Não corro, nem ando devagar; apenas sinto. Quando lembro, sorrio pensando no próximo passo.
É o que resta. O próximo.

domingo, 7 de junho de 2009

Ainda não aprendi.


Estou mais convencido que preciso de doses homeopáticas daqueles que, por vezes, são apenas cenário. Acho que sempre me senti feliz por perceber meus progressos individuais. Como quando se faz algo só; olhar em volta e perceber que é único, faz um bem danado. Melhor ainda quando todos buscam por algo “novo”.

(—Se eu quisesse aprender, tinha que fazer. Percebi que é mais fácil descobrir sozinho.)


“Novo” é dor de cabeça pra mim. Acho tudo tão mastigado; tudo parece uma daquelas saladas feitas com macarrão parafuso, misturado com maioneses e verduras- se elas existirem. De qualquer forma, a gente como tanta pseudo-salada por ai e nem reclama de quantas vezes foi no banheiro por isso.

Dia desses me perguntaram o que eu costumava escutar. E depois de pensar um pouco, percebi que não escuto quase anda. Pelo menos pro cenário, eu continuo dançando sem música, balançando a cabeça e falando frases desconexas.

E eu não pedirei pra tirar o seu fone de ouvido.

(Oh, meu cabelos!)

sexta-feira, 5 de junho de 2009






Terminamos como começamos.