domingo, 31 de maio de 2009

O barulho

Como faz falta. Da janela do meu quarto, eu percebo as luzes do outro prédio. Da cadeira que não sai de frente do computador, eu escuto os ruídos engraçados do apartamento de baixo. Fico imaginando se também me escutam. Não sei. Não faço barulho. Mas gosto de escutar. Gosto de parar tudo e escutar o que, provavelmente, ninguém dedica um tempo para entender.
Eles chegam tarde. Três da manhã e acordo com perguntas sobre o jantar do dia seguinte, com discussões sobre o trabalho. Árduo. Nunca entendi no que trabalham. A voz feminina e rouca sugere alguém que trabalha com eventos. Ou será que arranha sua voz diante de uma sala com 50 alunos de uma escola particular? Dele eu tenho menos certeza ainda. Sempre que começa a falar, o cachorro interrompe. Pelo visto o animal é anterior a união. Ou será que o cachorro realmente compete com a rouquidão da moça que não para de perguntar o que ele quer pro jantar? Ele também parece não querer responder.
As perguntas se estendem e tudo começa a não fazer mais sentido. A discussão começa. Não sei como os vizinhos não reclamam. A luz está acesa, é fácil identifica o local do barulho. Mas eles não se importam. Chegam tarde e saem cedo. Acho que só tomam banho e dormem um pouco.
Engraçado. Faço quase o mesmo. Mas me canso mais. Não tenho dúvida disso. O metrô e os dois ônibus consomem mais energia que qualquer trabalho. Na verdade não. Estou sendo dramático. Agora pego carona. Agora sento, e vou sentindo o ar condicionado. Agora chego sem nenhum amassado.
O relógio marca algum horário que não sei bem. As vezes olho pro relógio como se ele fosse falar comigo. Não me importo de não falar com ninguém. Me importo de não olhar pro relógio com convicção. Me aborreço pelo simples fato de voltar a olhar. As vezes olho mais uma vez pra ter a certeza que estou no caminho certo. Não quero dormir. Quero ganhar a convicção que rege um relacionamento que não tem medo de gritar. Mesmo sabendo que os vizinhos podem ouvir.
Mas eu não falo com ninguém. Eu apenas olho através da janela. E escuto com a convicção da minha cadeira.



Ethos

Universal é a palavra que pode identificar o conceito de casa. Mas o quão universal são os que fazem a moradia?

O que existe dentro de nossas casas, e o que vemos como conceito formado, muitas vezes reinam como perpétuos e sem grandes mudanças ao longo da história. No imaginário dos indivíduos, no que diz respeito as habitações, não é diferente. Seja em relação ao conforto ou mesmo aos hábitos em geral, teimamos em acreditar que os elementos que hoje nos rodeiam, possam não ter existido num contexto de outras épocas e lugares. Um exemplo claro e preciso dessa falta de relativização aconteceu numa exposição, realizada no Museu do Índio, onde foi construída uma oca. O público não hesitou em falar a respeito da rusticidade ou da falta de conforto.

Quando pensamos em conforto e abrigo, a imagem da casa vem em nossa mente. E, logo, percebemos a presença (forte) dos arquétipos que constroem nossa mente. Mas é necessário, urgentemente, um olhar mais apurado para tudo que está ao nosso lado, afinal, infelizmente, é o que menos enxergamos.

Mungnie, nome atribuído ao local de cerimônias da tribo de índios Ikpeng. Tem formato semelhante a uma oca tradicional, mas o simples fato da possuir um espaço interno iluminado já muda o seu caráter. Traçando um paralelo com a comparação que Lúcia Leitão faz em seu livro, “A Casa Nossa de Cada Dia”, podemos perceber claramente a importância que a luz tem na distinção da função atribuída a cada espaço. A autora se refere a casa com útero. Logo, um lugar escuro, que tenha proteção lateral é, compreensivelmente, mais adequado a habitação.

São inúmeros os exemplos do quão forte é a relação de proteção e útero materno. No livro, “Memórias de uma Esquizofrênica”, de M.A Sechehaye, a protagonista/paciente, entra em estágio fetal sempre que não consegue lidar mais com o “país da clareza” (nome atribuído pela própria quando está em crise).

“—Mamãe quer que a Renèezinha não tenha mais dor. Mamãe quer que Renèe entre no “charco”, no “verde” de mamãe.

Depois lhe dei a injeção. Enquanto se operava o efeito do medicamento cerrei a cortina e o quarto mergulhou num verde penumbra. Observei a Renèe:

—Estás vendo, Mamãe pôs Renèe no verde, ela pode ficar tranqüila.

Um ligeiro sorriso- o primeiro em muito tempo- passou nos lábios da pequena doente, que adormeceu, distendida e pacificada.

Na vez seguinte em que Renèe chorou dizendo:

— O verde, o verde foi-se embora.

E de novo, pelo mesmo meio, eu a repus no “verde”.

Autorizei-a assim a ficar completamente passiva, a desfrutar a perfeita quietude do bebê ainda não nascido.”

Com um significado que ultrapassa e forma barreiras, afinal, constrói arquétipos, a moradia se mostra presente como refúgio, como algo pessoal, como um lugar presente na mente- no sentido individual da palavra; mas que, porem, é realizada por muitos. O coletivo é presente e não pode ser descartado. Pensando nisso, a escolha da oca como instrumento de interação com o público, traz a tônica do estudo realizado e, mais, da síntese do tema centralizador: “A Arquitetura da Felicidade”. Afinal, é construída por muitos e para muitos. Quase como um embrião de cidade.

É individual o conceito de cada um, porem é coletiva sua construção.

“E foram os tijolos brutos postos sem espalhafato pelas mãos duras feito pedra que , um a um, sempre entre concreto e silêncio, caracterizam um acaso quase desleixo, cinza feito o desespero, a erigi-la, fria e imponente frente à calçada: uma casa.”*

* Trecho do livro “Beijando Dentes”, de Mauricio de Almeida.



E, assim, espero começar pensar a pensar no próximo período.

segunda-feira, 25 de maio de 2009


Chegando

domingo, 10 de maio de 2009

Mais tarde, ok.

Eu realmente preciso tomar um chá de bússola. Sério. Não dá mais pra assistir 10, 15 episódios desse meu novo vício. Sim, eu tenho um vício comum e bobo e preciso me livrar disso. Mas como? Acabando logo com isso. Selecionando essa próxima semana e me dedicando totalmente a próprio.

Como se não bastasse, eu ainda consigo terminar tudo no prazo e receber criticas positivas. Quer algo pior para um estudante com sedentária leitura? Preciso acabar dois livros que comecei e teimo em dizer que estou ocupado. (Michel Foucaut não conta mais. Só ano que vem!)

Não quero pensar nos vestibular. Possibilidades que, apenas, saem da minha boca sem muito sentido (ainda). É por isso que eu continuo adiando. E assistindo Kyle.

(—Mas você fez aquilo noite passada?
—...)

domingo, 3 de maio de 2009

Tirar as crianças da sala não é preciso. Powaqqatsi mostra que a infância não existe. Pelo menos não para as que aparecem representadas como numa pintura da idade média. Ou seja, um adulto numa escala reduzida. O que as diferencia? Os olhares surdos que questionam incessantemente.

Guiado pelas neblinas, o filme mostra o coletivo. O conjunto de lotes, a vista aérea, a pessoas vistas de longe. Tudo parece em harmonia, mas é só ampliar a visão e enxergar um pouco mais- digo um pouco mais por não ser “melhor” uma palavra adequada.

A roda sempre presente nas criações humanas, questiona a força centrípeta que parece ter fugido e agora corre solta em uma única direção. Nada mais claro que comparar a ganância com algo sem controle. Sem controle, alias, é o fato de não enxergarmos além das imagens. Sabemos que existe algo por trás da lama que cobre rostos e marca passos. Mas de quem seriam os rostos e passos? A lama caracteriza o mal, mas ilude o espectador.

Ao longo da duvidosa seqüência aleatória de imagens, o filme escreve a história do poder e sua ligação direta com a arquitetura. Seja nos monumentais edifícios religiosos, ou nos austeros arranha-céus que apenas refletem com seus vidros, mostrando que nada questionam, que nada falam e que fazem jus ao seu zeitgeist.

De uma forma geral, as arestas aparecem em todos os sentidos; seja nas construções ou, até mesmo, no mecanicismo dos passos controlados por sinais de transito das grandes cidades.

A neblina, cada vez mais escura, que determina o trabalho, a dúvida, a poluição e o caos, mostra o quanto a função dos espaços e o senso de localização estão fora de foco. A criança, que antes questionava, agora para, olha, indaga, mas, logo depois, segue sua caminhada. Não é preciso dizer que o mesmo é feito por todos.

O artifício do foco é, mais uma vez, utilizado. O que não se vê talvez não seja o que não se quer mostrar. As imagens, agora, não são mais necessárias para saber a dimensão do assunto. Muito menos as crianças.

(Reflexões superficiais sobre o filme "Powaqqatsi" do diretor Godfrey Reggio)

Eu preciso parar para escrever. De verdade. Mas fazer de ultima hora é tão doce. E, bem, estou longe de querer controlar minha glicose.

sábado, 2 de maio de 2009

Incrível como determinadas histórias continuam e, por não contarem com a nossa presença, ganham rumos que nos assustam quando, esquecidos, nos deparamos com a figura simpática de algo que só reconhecemos pelo nome. Pior ainda, quando os nomes já não cabem mais. É assim.

(E, infelizmente, ainda cabem em mim.)